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Citação da série Dexter |
Se eu contasse a vocês a quantidade de vezes que já comecei esse texto de hoje, vocês ririam da minha cara ou me chamariam de superexigente ou perfeccionista demais, alguns me mandariam relaxar e outros me parabenizariam pelo esforço. Eu já li, já vi imagens, já pensei e despensei, mas não acho meu punctum*, não há nada que me fere, me mortifica ou me apunhala, nem nas fotos, nem na vida.
A única companhia, no momento, é a frustração de não sentir o bastante para poder escrever. Ou será que sinto tanto a ponto de não sentir? Minha cabeça parece querer me contrariar mais do que a própria encarnação da negação de obediência: a impressora que me odeia e nunca funciona corretamente. Ambas se recusam a me auxiliar em minhas obrigações, parece que a cumplicidade delas tem um único objetivo: me enlouquecer e me fazer desistir de tudo, mas não pretendo sucumbir aos desejos de duas maquininhas, mesmo que uma delas faça parte de mim.
Desabafadas as intrigas com a impressora, me resta o de sempre; as intrigas internas das quais não sou capaz de fugir as 18h. Me sobram uma mente que gosta de me pregar peças diariamente e um coração que se cansou de cooperar. O resultado dessa soma caótica? Uma indecisão eterna se o que acontece aqui dentro é sentir demais ou de menos, uma luta constante para tentar buscar aquela tranquilidade que a gente ainda sonha que existe e, por fim, a constante indiferença sobre a rotina, o futuro e a vida.
Talvez eu esteja assistindo muito à série Dexter ou talvez uma parte das minhas mil tenha se esgotado tipo quando o shampoo acaba antes do condicionador, não sei. A única coisa que eu posso saber agora é que mesmo que eu esteja transbordando todas as incertezas que eu poderia ter, a indiferença ainda se sobrepõe à necessidade de respostas e isso incomoda, um pouco, muito, incomodaria o suficiente? Não sei.
Seria esse o meu tão aclamado punctum? Seria a escassez de sentimentos aquilo que me fere, mortifica e apunhala? Quem sabe eu não tenha chorado em aulas de morte fotojornalismo olhando para uma imagem qualquer que fosse para que pudesse conhecer toda essa angústia de uma forma que me fosse mais cabível, sem uma foto única, mas sim com todas as que formam o meu dia-a-dia, sentindo-me tão dilacerada sem sequer compreender o que me mortifica. E você? Já achou seu punctum?
* Punctum: “O segundo elemento vem quebrar (ou escandir) o studium. Desta vez, não sou eu que vou procurá-lo (como eu invisto com a minha consciência soberana o campo do studium), é ele que salta da cena, como uma seta, e vem trespassar-me. Existe uma palavra em latim para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento aguçado; essa palavra convinha-me sobremaneira porque remetia também para a ideia de pontuação e porque as fotos a que me refiro estão efectivamente pontuadas, por vezes, até salpicadas, por esses pontos sensíveis. Essas marcas, essas feridas são, precisamente, pontos. A este segundo elemento que vem perturbar o studium eu chamaria, portanto, punctum; porque punctum é também picada, pequeno orifício, pequena mancha, pequeno corte – e também lance de dados. O punctum de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala)” (A Câmara Clara, Roland Barthes)