Esmola de amor
Cá estou eu, com os olhos marejados, todos ao meu redor me olhando como se eu realmente fosse algum tipo de ser de outro planeta ou algo do gênero. Ok, talvez sejam somente os efeitos colaterais da cartela do meu anticoncepcional acabando e deixando meus hormônios aflorados, mas tudo que sinto no momento é uma mistura estranha de sentimentos, algo entre tristeza e nojo.
Acabei de sentar em um banco da rodoviária, nem eu mesma sei o motivo mas tenho a estranha mania de chegar quase uma hora antes do meu horário de embarque. Eis que um garoto, provavelmente da minha idade ou algo perto disso me aborda, pedindo dinheiro.
Isso é extremamente normal por aqui e sinceramente olhei para ele como quem diz “Você só pode estar brincando”. Ele, respondendo a minha “resposta muda” retrucou “Preciso comer, meu irmão também, senão quiser me dar dinheiro porque acha que é pra drogas ou besteira, me dá uma marmita?!”. Fica difícil retrucar ou não se emocionar assim, acabei tirando 2,00 reais (único troco que achei na hora, ainda tenho moedas perdidas na bolsa) e lhe dando desejando-lhe um “boa janta”.
Pouco depois o vi na escada, fazendo sinal para que alguém fosse ao seu encontro. Um garoto mais novo surgiu e eles começaram a contar os trocados. Até então, me senti feliz com a ação e ao mesmo tempo triste pela situação.
Tudo mudou quando vi uma mulher, aparentemente mais velha, bem vestida e com um certo ar de arrogância se aproximando. Ela deu um ou dois tapinha nas costas do garoto que falou comigo e juro que, mesmo a uma distância considerável pude ouvir um “bom trabalho” ser expresso por ela junto a uma espécie de riso irônico.
Imediatamente minha expressão mudou, meus sentimentos mudaram e o nojo se instalou.
Tudo que pude ver após isso, foram os 2 garotos seguindo-a até um banco distante e após uns 10 minutos (sim, eu realmente fiquei olhando em volta e procurando-os) vi o garoto mais novo pedindo algo no restaurante e saindo com uma sacola.
Sinceramente espero que esses dois garotos consigam ter jantado essa noite. Espero também que uma outra mulher, que me abordara a pouco, enquanto eu digitava esse texto e ela pegava as latinhas do meu lado, consiga uma vida melhor e “ver a filha”, motivo pelo qual, segundo ela, pegava latinhas e pedia esmolas.